Porque todo Oscar precisa de um filme superestimado e esse ano não seria diferente.
Indicado em 10 categorias no Oscar 2014, Trapaça (American Hustle, no original) conta a história de Irving (Christian Bale), um caloteiro que, junto de sua amante Sydney (Amy Adams), se aproveita de pessoas ingênuas para ganhar dinheiro. Mas suas vidas mudam quando Richie (Bradley Cooper), um agente do FBI, entra em cena, fazendo com que Irving e Sydney trabalhem com ele para pegar políticos corruptos. No meio desse rolo também temos Carmine (Jeremy Renner), um prefeito que faz tudo pelas pessoas de sua cidade, e a inconstante Rosalyn (Jennifer Lawrence), que ameaça estragar todo o esquema de seu marido. Pronto, temos um filme livremente baseado na operação ABSCAM que mostra o quão sedento por prêmios David O. Russell está.
Não é de hoje que diretores fazem filmes mais para agradar a Academia do que para contar histórias, isso acontece. Ainda assim, é incrível como O. Russell, que costumava fazer coisas boas, deixou a fama subir à cabeça e só tem feito “iscas de Oscar”. Não teria nenhum problema caso seus roteiros se destacassem entre os demais, já que não dá pra exigir que todos sejam Woody Allens da vida quando o assunto é premiações. Porém, isso não é o que acontece com Hustle, e ali se percebe de forma berrante que o moço perdeu a mão. E feio.
When you are offered a favor or money, take the favor, not the money. Jesus said that, didn’t he?
Trapaça não é um filme ruim. Mais superestimado do que a vida, sim, mas não ruim. O problema é o longa demora uma hora inteira sendo uma coisa extremamente chata de assistir antes de dizer “ok, agora vai começar”. Sério, sessenta minutos inteiros antes de algo relevante acontecer; verdade seja dita, a segunda hora é MUITO boa, mas não o suficiente para apagar a primeira da sua mente. Assim dá pra ver as falhas do roteiro, com trocentas cenas que nada adicionam à película e uma edição estranha que parece não ter certeza do que quer fazer. Além disso, uma história tão grande quanto a do escândalo ABSCAM não deveria ser character driven, em que seus personagens tomam as rédeas da trama; não porque filmes do tipo sejam ruins, mas o plot em si é maior e mais importante do que eles (mesmo que eles sejam bacanas – e são).
E assim como os personagens que mandam no negócio, os atores carregam Hustle. Juntando Bale e Adams, com quem Russell já trabalhara em O Vencedor, e Cooper e Lawrence, de O Lado Bom da Vida, se entende o porquê do diretor ter usado o time que estava ganhando: o cast FAZ o filme, e o mesmo seria nada sem eles. Christian e seu eterno compromisso com sua atuação marca presença mais uma vez, Jennifer está melhor nas poucas cenas em que aparece do que estava no papel que lhe deu aquele Oscar que não mereceu, Bradley está sensacional, sambando com graça, Jeremy está bem, só realmente brilhando nos minutos finais, Robert De Niro e Louis C.K. estão ótimos em suas pequenas participações. Entretanto, é justo dizer que a bagaça toda pertence à Amy Adams. Não tem jeito, é o melhor papel de sua vida e mal se vê a atriz por trás da personagem. Posso firmemente dizer que só aceito Amy perdendo para a Cate Blanchett e seu trabalho soberbo em Blue Jasmine, obrigada de nada.
No final das contas, Trapaça seria só mais um filme se não fosse seu elenco. As indicações pelas atuações são mais do que merecidas, mas o resto não. A direção de Russell é irrelevante, o roteiro é mais improvisação do que roteiro mesmo (o que não é ruim, só não justifica a indicação ao Oscar apesar dos ótimos diálogos) e o longa deixa muito a desejar. Talvez com meia hora cortada do começo o filme achasse seu ritmo e não serviria como um teste de paciência. Tem seus méritos e uma trilha sonora A+, porém morrer de tédio é uma possibilidade.
ficha técnica
Título original: American Hustle
Direção: David O. Russell
Elenco: Christian Bale, Amy Adams, Bradley Cooper, Jeremy Renner, Jennifer Lawrence, Louis C.K.
Roteiro: Eric Warren Singer e David O. Russell
Trilha sonora: Danny Elfman
Duração: 138 min.
País: EUA
Gênero: Crime, Drama
Trailer: (x)
Classificação:
2 Comments
Caio Coletti
27/02/2014 at 5:56 pmSam, nunca comentei aqui, mas lendo essa resenha não pude evitar. Principalmente porque discordo em gênero e número com você (embora a gente se conheça o bastante pra eu super respeitar sua opinião como válida).
Queria dizer que em nenhum momento eu fiquei entendiado com American Hustle. Sério. Pra mim foram as duas horas mais divertidas que eu passei assistindo um filme de 2013. O filme tem uma produção que tem aspectos tão legais, da trilha sonora ao figurino e a maquiagem/cabelo do elenco todo. Sem contar que eu acho que poucos diretores tem o talento do O. Russell pra encenação e coordenação de elenco. Diz-se que ele é muito chato e detalhista no set, mas eu posso ver cada pedaço desse detalhismo traduzido na tela.
Sobre as atuações: pra mim o filme é das duas moças. Você tem razão em dizer que a JLaw tá muito melhor aqui do que em O Lado Bom da Vida (EMBORA eu ache a atuação dela lá magnífica também), e a Amy Adams criou uma personagem tão completa, da linguagem corporal ao jeito de falar e fingir o sotaque britânico, que é impossível não se apaixonar por ela. O Bradley se diverte e asrescenta um sabor diferente ao personagem ao mesmo tempo, e o Christian é puro método de imersão.
Agora, acho injusto dizer que Trapaça é um filme feito só para chamar Oscar. Pra mim ele tem um propósito muito claro de existir, e uma razão muito cristalina de contar essa história desse jeito. O que o O. Russell fez foi um retrato muito tragicômico do sonho americano, e da forma como é um hábito humano enganar a si mesmo. Pra mim, esse é o ponto todo do filme, e é também um dos nossos principais métodos de sobrevivência. Por isso o slogan: “Everyone hustles to survive”.
Enfim, não quero desmerecer sua opinião. Só queria trazer uma visão diferente do filme pra quem ler sua resenha. O mais legal do cinema é que cada um vê de um jeito.
Sam
27/02/2014 at 8:35 pmObrigada pela opinião, moço Caio! Acho que é a primeira vez na vida que alguém discorda de mim com tanta graça e eloquência, então OBRIGADA MOÇO CAIO.
Consigo ver completamente seus pontos apesar de não concordar com boa parte deles e de ter esquecido de comentar sobre a ótima maquiagem porque sou uma anta. Não sei se deu pra perceber pelo meu tom, mas ando meio cansada do O. Russell e acredito que ele anda superestimado demais ultimamente (e ainda não aceito muito bem o Paul Greengrass não estar concorrendo porque a habilidade técnica daquele homem não é pouca bosta). Gostava bem mais dos textos bizarros no estilo I<3Huckabees (um dos meus filmes favoritos, inclusive) e da direção ousada e distinta, sabe? Pode parecer papo de hipster e tal, e eu sei que as pessoas mudam, entretanto acreditava que fosse o estilo dele. Não sei, talvez esteja olhando do ângulo errado, talvez o "novo" David simplesmente não agrade meus gostos, não sei. Acontece.
É pra isso que a gente está aqui, afinal, discutir os gostos diferentes porque cinema é uma coisa linda que merece ser discutida. De novo, obrigada por compartilhar sua opinião. /blink