Muito se fala sobre a obra cinematográfica de Hitchcock estrelada por Anthony Perkins e Janeth Leigh em 1960, mas pouco se sabe sobre o livro homônimo e seu escritor Robert Bloch. Ou se sabia pouco, tendo em vista que com a publicação da obra em português sob a tutela da editora especializada em fantasia, horror, suspense e biografias de “celebridades” atípicas (respira), Darkside Books, juntamente com o lançamento do filme Hitchcock (2012) dirigido por Sasha Gervasi e estrelado por Anthony Hopkins, fustigaram a curiosidade à cerca tanto da produção como da origem da ideia bizarramente bem conduzida da trama da obra cinematográfica. O que fez com que um grande diretor como Hitchcock ficasse tão hipnotizado com a obra que acabou comprando todos os mais de 3.000 livros publicados na época e dirigisse uma adaptação? Excentricidade ou uma percepção do potencial do livro? Ou todas as alternativas alternativas anteriores?
Ernest Bloch foi um prolífico escritor americano de horror, tendo como foco no início de sua carreira o sobrenatural. Como fã confesso de H.P. Lovecraft, que de alguma forma continua sendo umas das bases de quem se aventura pelo mundo do literatura de horror (apesar de vários elementos estéticos utilizados pelo autor me incomodarem bastante), tinha como foco em suas narrativas demônios, possessões e magia negra. Publicou algumas dessas estórias na famosa revista americana especializada em horror, a Weird Tales, ganhando uma certa notoriedade dentro do círculo de produção deste tipo de obra. Ganhou alguns prêmios bem importantes para a literatura fantástica: Prêmio Hugo, um Bram Stoker Award e um World Fantasy Award. E nós aqui nos perguntando por que “diabos” não se falava muito deste autor pelos lados de cá. Por meados da década de 40 o autor acaba se afastando do gênero de horror com elementos sobrenaturais por acreditar que suas ideias, neste nicho literário, haviam se esgotado, pelo menos as mais criativas e também por acreditar o gênero andava passando por um processo de desgaste natural, não tendo muitas novidades à acrescentar e se prendendo aos mesmos clichês narrativos.
Bloch começa a se interessar cada vez mais por assassinos seriais e sua psiquê. Em 1947 escreve seu primeiro romance, intitulado de “The Scarf”, que tinha como enredo os processos que possibilitaram a transformação de um jovem em psicopata após um trauma na infância. Mas parece que ele encontra o ápice de sua criatividade após a notoriedade de uma fatalidade bastante conhecida pelo mundo à fora: a prisão do assassino serial Ed Gein. Foi a partir dessa fatalidade juntamente com a incursão em um gênero até então não desbravado pelo autor, o gênero policial, que em 1959 Bloch nos presenteou como uma narrativa instigante, ágil e cheia de reviravoltas que se tornou um clássico contemporâneo, mesmo que seu enredo tenha sido aplicado em outra plataforma de mídia: o cinema. “Psicose” é apontada por muitos como um gênero híbrido entre romance policial e terror. Eu particularmente já acho que a obra seja um romance policial que soube muito bem se utilizar de alguns elementos comuns a narrativas de horror, mas com intuito de enganar os que a liam, sendo isto um dos grandes trunfos da obra.
Diferentemente das resenhas mais rotineiras que se prendem em fazer sinopses da trama, proponho uma forma menos usual de analisar a obra em questão, até porque existem poucas diferenças entre o filme e o livro, e de alguma forma a trama de “Psicose” já faz parte do imaginário cinematográfico da grande maioria das pessoas. Ao invés de falar o que já foi dito exaustivamente, gostaria de apontar alguns pontos bastante positivos presentes na obra, que tornaram para mim a leitura de “Psicose” em uma experiência singular.
Em primeiro lugar: a fluidez em que a narrativa é desenvolvida. Tudo é bem apresentado com uma linguagem bastante inteligível. A leitura é fácil, o que não desqualifica a qualidade da obra. Na verdade essa é uma das qualidades da obra. Bloch em algum momento da vida trabalhou como roteirista em Hollywood e isso é perceptível em “Psicose” que muitas vezes parece ter “nascido” como um grande roteiro cinematográfico. Como bom lovecraftiano que era, o autor nos apresenta uma narrativa quase que exclusivamente em terceira pessoa e descrições muitíssimas detalhadas tanto do cenário como de algumas emoções vivenciadas pelos personagens.
Em segundo lugar: o Norman Bates do livro é muito bem apresentado, psicologicamente falando. Apesar de “esquizofrênico”, em alguns momentos ele soa como ciente da sua condição de transtornado mental, o que te faz mesmo conhecendo a trama, questionar se ele realmente é uma vítima ou se ele escolheu racionalmente o caminho que trilhou. Seria Bates realmente fruto de uma sociedade doente ou apenas uma pessoa com predileção à maldade? Até onde o personagem é inocente e culpado? A relação abusiva entre mãe e filho seria na verdade um motivo mais que suficiente para determinar os caminhos errados tomados pelo personagem?
Outro ponto positivo de “Psicose”: os elementos que são utilizados para pregar peças durante o desenvolvimento da trama. As referências a ocultismo, antropologia e psicanálise que estão presentes nos mínimos detalhes da narrativa. Em algum momento da trama Bloch nos apresenta algumas das leituras de Norman Bates, intentando demonstrar o nível de erudição e loucura ao qual o personagem se encontrava. Entre elas e talvez a que mais faça essa ponte entre Bloch e a influência de Lovecraft em sua escrita seja o livro da antropóloga Margaret Murray “O culto das bruxas na Europa Ocidental” que é utilizado por H.P. quase que exaustivamente em vários contos. Outro livro presente na biblioteca de Bates é o Là-Bas de Huysmans, escritor e crítico de arte frânces, que é um romance sobre magia negra e satanismo. Na verdade, esse tipo de associação entre erudição e loucura é bastante comum em enredos de terror. Bloch soube muito bem aproveitar o clima do final dos 50 e começo dos 60, onde de alguma forma o ocultismo era tomado como base da construção da contra-cultura que emergia com muita força na Europa e nos EUA, causando medo e apreensão em uma grande parte da população (houveram alguns fatos que intensificaram isso, mas fica para outro momento).
Um quarto e último ponto: os personagens da trama, principalmente na personagem feminina de Lila Crane, que tem todo um ímpeto de autonomia e teimosia que são cruciais para o desfecho dos acontecimentos. Apesar de Lila estar presa a algumas convenções arquétipas de gênero, estamos falando de produção literária de antes dos 60, se não fosse pela sua persistência não teríamos o que teríamos como desfecho. Desculpa a sinceridade, mas Sam Loomis é um personagem bastante resignado e bem conivente com a situação, o que incomoda em alguns vários momentos. Lila e a senhora Bates são as melhores personagens do livro.
Espero que com a popularidade deste livro pelos lados de cá, alguma editora em algum momento se disponha a publicar outras obras de Robert Bloch. Por fim, “Psicose” acaba sendo uma obra simples e certeira, cumprindo bastante bem a proposta a que se propõe: entreter. E apesar de uma grande maioria saber o que vai acontecer – eu particularmente havia assistido o filme- o livro possui essa capacidade de te prender quase que forçando uma leitura total da obra de uma vez só (eu li em um dia de folga). Na verdade, assistir o filme e ler o livro acaba sendo um grande exercício de percepção estética, indico bastante até! A Darkside lançou psicose em dois formatos: um com capa brochura e uma limited edition em capa dura que tem o diferencial de possuir algumas imagens do filme. Como também está disponível no formato de ebook. Este livro vale estar na sua prateleira ou Kindle.
informações
Título: Psicose
Autor: Robert Bloch
Tradutor: Anabela Paiva
Número de Páginas: 256
Edição: 1º ed. 2013
ISBN: 9788566636109
Editora: Darkside Books
Preço: R$ 59,90 (Capa dura, compre aqui)
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