Vocês já devem ter escutado essa história: a menina cis, branca e hétero se apaixona pelo menino cis, branco e hétero, ambos têm amigos cis, brancos e héteros e salvam um mundo cis, branco e hétero.
Não sei vocês, mas eu estou muito, muito cansada dessa história.
Por um minuto, por favor, pense no nosso mundo. Pense em quantas pessoas, ao redor desse globo, existem, vivem, amam e sentem. É óbvio que você vai chegar em uma certa conclusão: todas elas são diferentes, embora a empatia e a simpatia nos aproximem como a geografia nunca permitirá. Nosso mundo é repleto de cores, vivências e histórias, então é de se esperar que a literatura represente isso muito bem.
Infelizmente, a realidade não é essa.
Apenas me digam quantos livros vocês já leram que tinham personagens negros, orientais, homossexuais, bissexuais, transgêneros, não binários? Creio que os dedos de uma mão serão o bastante. Acontece que a literatura, afinal, vai muito além de páginas e histórias contadas: ela é, prioritariamente, uma fonte de sentimentos, sensações e vivências que provavelmente nunca iríamos experimentar sem um livro. Ela é um espelho, um reflexo do que somos e de como nos construímos.
Agora imagine nunca mais poder se ver em um espelho, nunca mais ver um reflexo e poder sentir que você, afinal, existe.
É assim que, hoje em dia, as pessoas que pertencem às ditas minorias são levadas a se sentir. Invisíveis e muitas vezes vítimas de julgamentos que as desumanizam, que as excluem de um mundo que também é delas, que as expulsam até do que elas são. Acreditem ou não, mas a literatura pode e deve mudar tal condição.
Muito já foi roubado das minorias, muito já lhes foi negado e, honestamente, o mínimo que se pode fazer é dar-lhes representatividade. Todos somos heróis de nossas próprias histórias e tais precisam ser contadas, sim. Nós precisamos de livros com diversidade, pois a literatura é uma das nossas maiores fontes de empatia e, afinal, ver o mundo através dos olhos de pessoas diferentes é um baita remédio contra o ódio e contra o medo.
O compromisso político e social da produção literária é simplesmente óbvio. Algo com tanto alcance não pode se ver livre da luta diária contra o preconceito, a desigualdade, a injustiça e a ignorância. Além de a representatividade propor uma maior identificação, através dela podemos até nos ver mais abertos a novas culturas, a novos pontos de vista. O racismo, o sexismo e a homofobia não têm vez quando temos ao nosso alcance livros tão coloridos quanto o nosso mundo.
Quando imagino um mundo perfeito, imagino todos nós de mãos dadas como heróis, protagonistas das nossas próprias histórias, mas também nos doando a outras, escutando mais do que palavras vindas apenas de uma classe privilegiada. Há muito mais histórias esperando para serem contadas e, o melhor: histórias coloridas, diversas e brilhantes. É hora de nossas crianças serem heróis, é hora de termos um reflexo, de sermos a própria beleza muito além do que é branco, cis e hétero.
É hora de sentirmos esse mundo em sua totalidade, em suas cores, em seus amores, em suas identidades mais diversas.
Para mais informações sobre a campanha, acesse o site e simplesmente diversifique a sua estante.
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7 Comments
Jéssica Cardoso
22/07/2014 at 5:25 pmRainha Geovana como sempre sambando em suas palavras. /smile
Caverna Literária
24/07/2014 at 12:11 am… olha, não acho que seja bem assim. Honestamente, eu já vi ~vários livros que retratam o mais variado tipo de pessoas, cada uma com suas características, tanto físicas quanto emocionais, e isso já vem de ~muitos anos, é só você pegar pra ler aqueles livros típicos que passam no colégio de autores famosos nacionais que eu sinceramente nunca tive muita paciência pra ler. A questão é que, sim, cada um tem seu gosto, mas o mundo literário não tá tão fechado à novas experiências como aparentou. Na verdade, eu já li sim vários livros, atuais, inclusive, que retratam personagens de diversas etnias, religiões, escolha sexual, e até mesmo cor de pele. O mundo tá beem mais aberto do que era antes, por mais difícil que as pessoas possam achar de acreditar. E, eu respeito tudo isso, mas na minha opinião, não é bem a cor, escolha sexual ou corte de cabelo do personagem que vai fazer diferença na história, e sim o potencial dela, o enredo, todos os eventos que acontecem durante o desenvolver da mesma. Isso sim torna o livro bom ou não. O que nos cativa num personagem é sua forma de agir e pensar, não sua aparência. Ou ao menos devia ser assim kk
xx Carol
http://caverna-literaria.blogspot.com.br/
Geo
24/07/2014 at 3:39 amFalo, principalmente, da produção literária atual e a que recebe mais atenção da mídia, etc. Não dá pra negar o preconceito. Hollywood nega oportunidades para atores negros por uma razão. Mulheres são mal pagas por uma razão. Gays e transgêneros são assassinados por uma razão. Isso se repete na literatura.
Honestamente, eu conto em uma mão o número de livros atuais que tinham um protagonista negro, homo/bissexual ou transgênero (isso eu nunca li, aliás). Isso, acredite, afeta as pessoas, pois elas não se sentem representadas. Vai além da aparência do personagem mesmo, já que devemos levar em conta que uma pessoa vai muito além da cor da pele, da orientação sexual ou de sua identidade de gênero. O problema é que as minorias não são retratadas assim. Nós precisamos de personagens desenvolvidos, complexos e humanizados que se identificam de acordo com essas minorias. Não é só isso que torna o livro bom, é claro, mas acredito que toda produção, boa ou ruim, tem uma responsabilidade social.
Querendo ou não, as pessoas se identificam, se sentem representadas pela aparência de um personagem que, acima de tudo, é bem construído. Pode não ser um livro realmente bom, mas ainda tem uma utilidade até melhor que simples entretenimento.
Who's thanny? » Arquivo » Eleanor & Park, Rainbow Rowell
11/09/2014 at 4:37 pm[…] de muitos leitores e ainda surpreende pela diversidade dos personagens, questão debatida nesse texto da Geo. Afinal, quantos livros você leu em que os protagonistas são um garoto descendente de […]
Tarsila Martins
03/12/2014 at 1:18 amAchei muito interessante a proposta da campanha. Realmente estamos precisando de mais diversidade. Não lembro se já li algum livro com uma protagonista negra, um protagonista asiático ou um protagonista transgênero. Espero que o mundo literário se abra para as minorias, na verdade, espero que ele abrace todas as características da mesma forma.
Gostei da ideia da diversidade, vou começar a escrever um livro nessas férias, e esse projeto me deu uma luz 🙂
Beijos!
Who's thanny? » Arquivo A Desconstrução de Mara Dyer #1, Michelle Hodkin - Who's thanny?
11/02/2015 at 6:59 pm[…] exceção de Jamie, um garoto negro, judeu e bissexual (acho que a autora não entendeu que sim, queremos diversidade nos personagens, mas não jogar tudo estereotipado em único personagem, né?), que vive fazendo […]
Dois Garotos de Beijando, David Levithan - Who's thanny?
19/05/2015 at 6:01 pm[…] Dois Garotos de Beijando, do autor David Levithan, foi o primeiro livro que li em que os protagonistas são gays. O primeiro, apesar de ter Will&Will na estante, do mesmo ator, escrito em parceria com John Green. O caso é que no Brasil são poucos livros que abordam esse tema e menos ainda os que têm uma capa como esta. Isso é um plano para a sociedade “engolir” essa história de aceitação aos homossexuais? Claro que não. Li isso pelo Facebook e achei ridículo. Não é possível que existam gays nos livros? Que mal tem isso? A minoria também não pode ser representada na literatura? Como já foi dito, nós precisamos de diversidade. […]