Talvez você já tenha assistido a adaptação deste livro, e, como eu, também tenha se apaixonado pela história e personagens. Mas ler o livro que originou o filme é uma experiência bem mais dolorosa, porque se você não deduziu pelo título, “Não me abandone jamais” é triste. Muito triste.
O que eu desejava, no fundo, imagino, era esclarecer tudo o que aconteceu entre mim, Tommy e Ruth depois que crescemos e saímos de Hailsham. Mas agora percebo que boa parte do que houve depois foi decorrência dos anos que passamos em Hailsham, e é por esse motivo que desejo, primeiro, reviver essas primeiras memórias com todo o cuidado.
Kathy H. é uma mulher de 31 anos que está prestes a encerrar sua carreira de “cuidadora” e decide compartilhar suas memórias do tempo que passou em Hailsham, um internato inglês que dá grande ênfase às atividades artísticas, e como ela e seus amigos seguiram caminhos diferentes, até se reencontrarem. Com uma narrativa bonita e ingênua, ela nos conta uma história que pode não estar muito longe da realidade.
Todas as crianças de Hailsham são especiais, e de certa forma, elas sabem disso. Elas devem se manter sempre saudáveis, bem mais que as crianças comuns, por causa do que elas são: doadores. Elas foram clonadas com o propósito de fornecer órgãos vitais para o seu original, assim que ele precisar, até “concluir”.
Isso não é horrível? Mas quando foi anunciada a clonagem do primeiro mamífero, em 2007, não foi isso que todos pensaram? Nas possibilidades da ciência permitir que sejamos imortais?
Depois da guerra, no início dos anos 50, quando a ciência avançava muito rapidamente e as descobertas se sucediam em ritmo vertiginosos, não sobrava muito tempo para fazer as perguntas sensatas. De repente lá estavam todas aquelas possibilidades à disposição, todas aquelas novas formas de cura para tantas doenças até então incuráveis.
Este é um assunto bastante polêmico, e Kazou Ishiguro o aborda de uma maneira sutil, mas que vai fazer o leitor refletir bastante à respeito. Como a história é narrada em primeira pessoa pela Kathy, tudo ganha um toque maior de realidade, e é assustador de imaginar que aquilo poderia acontecer de verdade um dia.
O livro é dividido em três partes. Na primeira, quando os personagens ainda são crianças e estudam em Hailsham, Kathy levanta questões sobre o que eles sabiam ou não sobre o seu futuro. Ela afirma que elas sabiam o suficiente para desconfiar, e só quando estavam mais velhos foram avisados que haveria doações à sua espera, mas eles não sabiam de fato o que isso significava.
No internato, eles possuíam guardiões que estavam sempre incentivando que eles produzissem obras artísticas, que em certo período, eram trocadas em um bazar entre eles. Mas o maior incentivo era ver uma obra sua ser selecionada pela Madame para ser exposta na Galeria.
Então vemos que apesar de tudo, eles viveram uma infância de verdade. Eles foram bem educados e alimentados. Mas seria isso correto? É correto os deixar crescer sem saber que vão ter que doar seus órgãos até morrer? Que nunca terão a oportunidade de se casar, ter uma família ou um emprego?
Na segunda parte, quando eles deixam Hailsham e vão para o Casario, já adultos, passam por uma fase de descobrimento, com muito sexo, já que eles são inférteis. Mas também há aquela curiosidade de saber quem é o seu original. Principalmente para descobrir como seria o seu futuro ou entender quem eles são por dentro. Há dramas e conflitos entre o trio de amigos, que até então eram inseparáveis. O leitor se sente íntimo de Kathy e é impossível não se afeiçoar a ela e querer ajudá-la de alguma forma. Desde sempre, ela sempre foi uma garota bastante destemida, que fala o que pensa e observa os pequenos detalhes para ter uma compreensão geral do mundo. É uma personagem forte e bem construída, assim como Tommy e Ruth. É como se eles existissem de verdade e é por isso que dói tanto saber como eles vão terminar.
Na terceira parte, quando Kathy reencontra Tommy e Ruth, após anos sem se ver, há aquele consenso em deixar o que passou para trás. Ela é cuidadora e seus amigos são doadores.
Acho que eu fui uma cuidadora até que bem decente. Mas cinco anos foram mais que suficientes para mim. (…) Estava muito bem preparada, quando me tornei doadora. Parecia a coisa certa a fazer. Afinal de contas, é o que se espera que a gente faça, não é?
Cuidadora é uma espécie de enfermeira. Viajam para lá e para cá cuidando dos doadores, dando força para que eles não concluam antes do tempo. Mas todos têm em mente que esta é a sua obrigação de vida, assim como se tornar um doador em seguida. Talvez pelo modo como foram criados, eles são conformados com o seu destino. Será que não haveria uma forma de fugir?
As reviravoltas e descobertas sobre a clonagem são de fazer o leitor ficar sem ar e se revoltar com tudo e todos. A riqueza dos detalhes na narração, mais uma vez, faz parecer tudo real demais. É de partir o coração. Sendo que apesar de toda a dor, acho que esta deveria ser uma leitura obrigatória. De reflexão.
Não consigo parar de pensar nesse rio, não sei onde, cujas águas se movem com uma velocidade impressionante. E nas duas pessoas dentro da água, tentando se segurar uma na outra, se agarrando o máximo que podem, mas no fim não dá mais. A corrente é muito forte. Eles precisam se soltar, se separar.
Informações
Título: Não Me Abandone Jamais
Autor: Kazou Ishiguro
Tradução: Beth Vieira
Número de Páginas: 344
Edição: 1ª – 2005
Editora/Selo: Companhia das Letras
Preço: R$58,50
Classificação:
15 Comments
José Hugo
01/03/2013 at 11:59 amNão vi o filme… Mas confesso que fiquei muito interessado no livro, temáticas assim sempre me atraem.
Parabéns pela resenha..
thanny
01/03/2013 at 12:00 pmObrigada! Não deixe de assistir o filme, é uma adaptação muito fiel <3
@hey_deeds
01/03/2013 at 2:08 pmUau, nunca tinha ouvido falar desse filme/livro, e fiquei com muiiita vontade de ler e assistir agora. Achei muito interessante a história *-* E que bom que é fiel *-* Começo com o filme ou o livro primeiro? E é triste, a ponto de morrer chorando? eheuhouee adoro filmes que me fazem chorar, as histórias são tão lindas, e sempre passam uma mensagem bacana
thanny
01/03/2013 at 2:11 pmPrimeiro vi o filme, porque nem sabia que era uma adaptação. Mas ambos estão na minha lista de favoritos <3 Você morre chorando sim, chorei mais no filme que no livro... mas você fica triste por um tempo depois de ler. Vale a pena!
Ceile
01/03/2013 at 9:46 pmDá licença que preciso ir ali no cantinho chorar só um pouquinho, ok?
Eu assisti uma parte do filme só, do começo até quase a metade, mas parei pq queria ler o livro, por isso queria tanto ler sua resenha.
Acho que é uma leitura para fazer um doses homeopáticas, não? Imagino que sejam muitas informações para digerir e muitos sentimos para equilibrar.
Vou pedir pra Cia, pq né…
Beijo!
Vanessa
01/03/2013 at 11:58 pmNão Me Abandone Jamais estava passando no Telecine na semana passada, mas não quis assisti-lo porque antes disso quero ler o livro, que já está na minha lista de desejados faz tempo e que eu só não comprei ainda porque tenho esperança de que o preço dele baixe… :-/
Tarsila Martins
02/03/2013 at 1:37 amNunca li o livro nem assisti o filme, não sabia nem do que se tratava pra falar verdade. Mas gostei bastante da sua resenha. Esse livro/filme parece ser muito triste e emocionante, quero muito ler agora. Talvez eu assista primeiro, e não rola comprar agora porquê está carinho 🙁
Beijos!
Breno Rodrigues
02/03/2013 at 5:30 pmA história me é familiar, mas realmente não sei dizer se é pq já assisti o filme (não lembro se assisti ^^). De qualquer forma, me chamou a atenção. Mas como sou chato com adaptações, vou tentar ler o livro antes. Só não gostei do preço. o.O
Boa resenha.
Bjos
felipe
02/03/2013 at 5:43 pmNunca li o livro ou vi o filme, depois de ler a resenha fiquei muito interessado, o único problema é o preço /omg
Emilly M.
02/03/2013 at 6:49 pmNoooooooooooooooooooossa, eu juro que nem sabia da existência do livro, já o filme eu assisti e amei demais /grin
Lais Ribeiro
05/03/2013 at 3:07 pmSimplesmente incrível sua resenha de Não Me Abandone Jamais. Já cheguei a alugar o filme, não assisti, minha mãe assistiu e me contou uma coisa ou outra e na epoca eu nem sabia que tinha um livro. Fui pesquisar e fiquei surpresa com as críticas super positivas que li, assim como o super valor do livro (tá bem salgado). Eu já tinha uma noção ou outra do que acontece, mas senti que essa frase da sua resenha “É correto os deixar crescer sem saber que vão ter que doar seus órgãos até morrer? Que nunca terão a oportunidade de se casar, ter uma família ou um emprego?” tem uma certa “grande” quantia de spoiler…
thanny
05/03/2013 at 3:11 pmObrigada, Lais! Bem… esse trecho não é spoiler, pois logo no início fica claro para que eles foram criados e assim será até eles “concluírem”. O livro é mais para você refletir sobre o assunto.
Luísa Krummenauer
10/03/2013 at 2:48 pmEu ainda não vi o filme nem li o livro, porém me deu vontade de ler agora. O problema é que não tem nas bibliotecas daqui e ele ta com o preço um pouco alto..
Jéssika Costa
29/03/2013 at 7:20 amLi o livro em 2010, lembro que durante a leitura eu não chorei, pois como estava acostumada aos finais felizes, tinha esperanças de que tudo mudasse, eu esperava uma grande reviravolta, eu necessitava. Chorei quando me dei conta de que ela não ia lutar, que ela ia fazer o que tinha sido imposto.
Levei um bom tempo para me recuperar da dor que este livro me causou, mas acabei chegando a conclusão de que eu provavelmente também não questionaria de onde vem a cura, desde que os que amo estivesse a salvo. Me senti um lixo depois desse livro, aprendi mais sobre mim mesma do que gostaria.
Minha surpresa foi saber que tem um filme, quase infartei. /smile
Who's thanny? » Arquivo » This is the heartbreak
12/06/2013 at 6:53 pm[…] Não me abandone Jamais Sabe o que sentir um aperto no coração só de ler o título de um livro? Do quão doloroso é descobrir nas primeiras páginas o destino dos protagonistas? Acompanhe a história de Kathy H. aos longos dos anos em Hailsham, um internato inglês para crianças especiais, e descubra por sua conta e risco a relação de amor e amizade com Tommy e Ruth. É um livro que vai te fazer amar, refletir e sofrer (especialmente este último). […]