Nos últimos meses, certamente nada foi mais icônico que a descoberta de uma das atrizes mais brilhantes dessa geração: Lupita Nyong’o, a jovem queniana de traços delicados e olhos profundos demais para passarem despercebidos, despontou como a esperança de muitos ao estrelar Doze Anos de Escravidão, o grande vencedor da categoria de Melhor Filme no Oscar deste ano. A atriz também levou a estatueta de Melhor Atriz Coadjuvante e aqui abro um parêntese para glorificar tal fato. Em uma premiação comandada por homens brancos que sempre ignoraram as manifestações de cor e de bravura dentro da pele negra, a vitória de um filme feito sobre a história negra, protagonizado, dirigido e escrito por negros é, certamente, uma evolução mais do que bem-vinda e atrasada.
Vejam bem, Hollywood nunca foi um lugar amistoso para a pele escura e a beleza negra dificilmente é valorizada tanto lá quanto em qualquer canto do mundo.
A nossa lindíssima Lupita, então, num evento que celebrou a beleza inigualável da pele escura, deu um discurso emocionante de arrancar lágrimas dos olhos e desolar o racismo que muitos de nós aprendemos a ter desde o berço. Por vezes somos ditos que o negro é feio, que o negro não serve, mesmo que muitas vezes tais palavras não sejam necessariamente proferidas, mas estampadas em imagens que celebram uma tal beleza excludente, limitada ao branco de olhos azuis.
Isso não é beleza; ao menos não a única e muito menos a que importa.
A TV, o cinema, os livros… a mídia como um todo necessita, desesperadamente, de personagens negros, de representações dessa beleza, de esperança. Um pouquinho disso, acreditem, pode desafiar o status quo em dimensões muito maiores do que se crê. Uma gota de misericórdia é capaz de diluir todo um lago de ódio, como já disse Laini Taylor.
Segue o discurso da jovem atriz. A tradução é de Maiara Lima:
“Quero aproveitar esta oportunidade para falar sobre beleza, beleza negra, beleza escura. Eu recebi uma carta de uma menina e gostaria de compartilhar apenas uma pequena parte dela com vocês: “Cara Lupita,” onde se lê: “Eu acho que você realmente tem sorte por ser tão negra e ainda tão bem sucedida em Hollywood. Eu estava prestes a comprar um creme da “Whitenicious” para clarear minha pele quando você apareceu no mapa e me salvou.”
Meu coração sangrou um pouco quando li essas palavras, eu nunca poderia ter imaginado que o meu primeiro trabalho seria tão poderoso e que me tornaria em uma imagem de esperança, da mesma forma que as mulheres de “A Cor Púrpura” foram para mim.
Lembro-me de um tempo em que eu também me sentia feia. Eu ligava a TV e só enxergava pele pálida, fui provocada e insultada sobre o tom da minha pele cor de noite. E a minha única oração a Deus, o milagreiro, era que eu acordasse de pele mais clara. Na manhã seguinte, eu acordava tão animada em ver a minha nova pele que eu recusava a me olhar até que estivesse na frente de um espelho, porque eu queria ver o meu rosto claro de primeira. E todos os dias eu experimentava a mesma decepção de ser tão escura como eu era no dia anterior. Tentei negociar com Deus, eu lhe disse que iria parar de roubar cubos de açúcar à noite se ele me desse o que eu queria, eu obedeceria cada palavra da minha mãe e nunca perderia o casaco da escola de novo, se ele só me deixasse um pouco mais clara. Mas eu acho que Deus não se impressionou com as minhas barganhas, porque Ele nunca escutou.
E quando eu era adolescente, meu auto ódio cresceu, como acontece durante a adolescência. Minha mãe me lembrou muitas vezes que ela me achava bonita, mas ela é minha mãe, é claro que ela deveria me achar bonita. E então… Alek Wek. Uma modelo célebre, ela era escura como a noite, ela estava em todas as passarelas e em todas as revistas e todo mundo estava falando sobre como ela era bonita. Até Oprah a achava bonita e fez disso fato. Eu não podia acreditar que as pessoas estavam abraçando uma mulher que parecia muito comigo, tão bonita. Minha pele sempre foi um obstáculo a ser superado e, de repente, Oprah estava me dizendo que não era. Foi desconcertante e eu queria rejeitá-lo, porque eu tinha começado a desfrutar da sedução da inadequação.
Mas a flor não poderia deixar de desabrochar dentro de mim, quando eu assistia Alek, via um reflexo de mim mesma que eu não podia negar. Agora eu tinha um degrau a cada passo meu, porque eu me sentia mais vista, mais apreciada pelos distantes guardiões da beleza. Em torno de mim a preferência pela minha pele prevaleceu, porém para os cortejadores com quem me importava, eu ainda era vista como feia. E a minha mãe novamente me dizia que você não pode comer beleza, porque ela não te alimenta, e estas palavras me atormentavam e incomodavam. Eu realmente não entendia, até que finalmente me dei conta de que a beleza não era uma coisa que eu poderia adquirir ou consumir, era algo que eu tinha que ser.
E o que minha mãe quis dizer quando disse que você não pode comer beleza é que você não pode depender da sua aparência para se sustentar. O que é bonito é fundamentalmente a compaixão que você sente por si mesmo e por aqueles ao seu redor. Esse tipo de beleza inflama o coração e encanta a alma. Foi o que colocou Patsey em tantos problemas com seu mestre, mas também é o que tem mantido a sua história viva até hoje. Recordamos da beleza de seu espírito, mesmo depois que a beleza de seu corpo se foi.
E por isso espero que a minha presença em suas telas e revistas possa levá-la, jovem, em uma viagem semelhante. Que você sinta a validação de sua beleza externa, mas também chegue ao mais profundo objetivo que é ser bonita por dentro.
Não há sombra para essa beleza.”
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5 Comments
Byzinha
08/03/2014 at 10:00 pmGeo……. <3
Tarsila Martins
09/03/2014 at 8:53 pmTão triste ver que hoje em dia ainda existe tanto preconceito relacionado à cor da pele. As pessoas tem que começar a olhar mais para o coração e parar de olhar para o rosto ou para a cor. E quem ditou os padrões de beleza? A mídia? Grande coisa. Temos que nos sentir bem conosco, com quem somos, não temos que ligar para o que a TV mostra, ou para os maus pensamentos da sociedade. Sei que isso é difícil, mas temos que tentar.
Concordo que precisamos de mais personagens negros, para lutarmos mais contra esse preconceito, e para tirar um pouco desse pensamento de que só o branco é bonito, da cabeça das pessoas.
A Lupita Nyong’o é muito linda! Uma pessoa adorável! A pele dela tem uma cor magnífica, invejável. E, se ela se acha bonita, nada mais importa. Fiquei feliz por ela estar inspirando jovens a se aceitarem como são.
Bem, isso é o que eu penso, haha.
Beijos!
Diego de França
10/03/2014 at 11:42 pmCom certeza está sendo ótimo ver uma atriz negra tendo este destaque e promovendo a cultura negra de maneira geral. Parabéns pela postagem.
Michelli Santos Prado
27/03/2014 at 3:33 pmOi Geovana…Linda postagem, apesar de ainda não ter visto o filme fiquei super feliz dela ter ganhado, pois creio que preconceito não tem mais vez…Parabéns pela postagem.
Beijos!!
livia
17/10/2016 at 4:06 pmlinda postagem!