Black Mirror é aquela série que quem assiste faz questão de indicar para todos os amigos, com um roteiro inteligente e episódios independentes, relacionados apenas ao mundo “distópico” em que o avanço tecnológico é capaz de mudar a forma do homem viver e se relacionar com as outras pessoas. Não há um ano exato em que as histórias se passam, são alguns anos adiante e a coisa mais assustadora é que muito do que é exibido na tela é um reflexo de nossa sociedade hoje. O futuro pode ser mais sombrio do que imaginamos, apesar do poster dizer o contrário.
Criada por Charlie Brooker, Black Mirror é uma série britânica que foi exibida de 2011 a 2014, tendo seus direitos comprados pela Netflix para a produção da terceira temporada, que foi adicionada na semana passada no catálogo com 6 episódios com o único objetivo de desgraçar sua cabeça. O título da série remete a quando nossos smartphones, tablets, notebooks, TVs são desligados e ficam com aquela tela preta nos refletindo.
Não há uma cronologia a ser seguida, se você quiser começar pela terceira temporada, temos um primeiro episódio “adaptado” para abraçar aqueles que ainda não conhecem a série e o teor de seu enredo. Cada episódio de Black Mirror gera um mal estar, inclusive, tive que parar no 3º episódio “Shut Up and Dance“, pois o final foi um pouco demais para minha mente. Quase nunca tem final feliz e você é consumido pelo pessimismo idealizado por Brooker.
A série é uma ótima forma de pensarmos um pouco sobre nosso modo de agir e de como a tecnologia está cada vez ocupando um espaço maior em nossas vidas. A seguir, falo um pouco, com spoilers, sobre minhas impressões a “Nosedive“, o primeiro episódio da 3ª temporada, que tem como protagonista a linda da Bryce Dallas Howard.
Basedo numa ideia original de Brooker e escrita pelo criador de Parks and Recreation e The Office, Michael Schur e por Rashida Jones. “Nosedive” mostra como num futuro próximo, nosso status sócio-econômico irá depender de um sistema de avaliação feito pelo smartphone, que funciona, na prática, da mesma forma que você avalia uma corrida no Uber, sendo que no caso do enredo, todas as interações feitas com amigos e desconhecidos são avaliadas em até 5 estrelas.
Este sistema de avaliação torna o mundo mais superficial do que já é. Se hoje pessoas fingem ter uma vida perfeita pelas fotos postadas no Instagram, neste futuro elas fingem ser simpáticas e felizes o tempo todo! Só de ver o esforço da protagonista Lacie, interpretada por Bryce Dallas Howard, para subir de 4.2 para 4.5 estrelas ou mais me deixou cansada de verdade.
Ela mora numa casa pequena com o irmão, mas cada vez mais deslumbrada pelo estilo de vida das pessoas com notas altas, decide comprar uma casa linda, porém, o valor é bem maior do que ela imaginava e com uma nota 4.5 ela consegue um desconto de 20% para poder morar ali. E então, ela vai se consultar com um profissional para saber o que fazer para aumentar sua nota e ganhar credibilidade na sociedade. Ela tenta imitar o que as pessoas fotografam, finge simpatia e oferece comida para os “influenciadores”, mas tudo o que precisa é de um booster, que vem na forma de convite para ser madrinha de casamento de sua amiga de infância, Naomi, interpretada por Alice Eve.
Naomi podia ser tudo, menos melhor amiga de Lacie, inclusive dormiu com o Greg, mas por estar em um novo ciclo, com pessoas mais influentes, sua nota é alta e a dos seus convidados também. Tudo o que Lacie precisa é fazer um discurso que irá impressionar a todos para que ela receba várias 5 estrelas durante a cerimônia. Confiante, ela dá entrada na compra da casa, garantindo que irá conseguir a nota mínima exigida para o desconto e começa a treinar sua fala que vai emocionar a todos.
Porém tudo começa a dar errado quando seu voo é cancelado. Lacie não se controla e revela seu lado humano xingando a atendente do aeroporto que não encontra uma solução para o seu problema, e é então penalizada com menos uma estrela e, por 24h, todas suas avaliações negativas serão dobradas. Este é, sem dúvidas, o pior pesadelo de qualquer um que viva neste mundo.
Nossa protagonista vai quebrando a cara a cada novo passo que dá, até que uma caminhoneira com nota 1.4 lhe oferece uma carona e conta como chegou a essa nota, ligando o foda-se, após perceber o quanto esse sistema era injusto e cruel.
“Passei a dizer o que queria, e quando queria. Não estava nem aí. As pessoas não gostam disso. É incrível como tudo vai por água abaixo tão rápido quando se age assim.”
Esta reflexão nos dá esperança de que Lacie siga o exemplo e faça um discurso-desabafo no casamento da Naomi, o desenrolar eu não vou revelar para o caso de algum curioso não se controlar ao ler “spoilers”. O que quero levantar com esse texto é a reflexão do quanto, muitas vezes, agimos como as pessoas em “Nosedive”, desesperados por like e aprovação dos outros, tentando se aproximar de pessoas por puro interesse, e deixando amigos de lado, por não serem tão descolados para andar contigo na rua. Se você assistiu o episódio inteiro chamando as pessoas de ridículas, por se submeterem ao sistema de avaliação, na certa não compreendeu toda a crítica feita por seus idealizadores.
Black Mirror é uma série pensada para nos fazer pensar, se você não enxergou nenhuma problematização que possa ser inserida em nossas vidas hoje, é melhor rever com um pouco mais de atenção.
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