Coluna

50 tons de rosa

Rosa é cor de menina. Rosa é a cor da capa de livros de menininha. Rosa é coisa de mulherzinha – como se fosse tão fácil assim limitar o que mulher gosta. Rosa é usado para explicar um gênero e as atitudes que ele deve tomar. E se rosa é o que define o sexo feminino, sinto informar que cada uma de nós passa por mais de 50 tons dele por dia. Mulheres são muito mais do que uma lista de ações aceitáveis para a sociedade – e nem tudo direcionado a elas é uma grande porcaria.

É engraçado que, depois que decidi fazer esse post, uma amiga minha disse que eu não tinha coração só porque fiz sons de vômito enquanto ela me contava sobre a perfeição do amor entre Anastasia Steele e Christian Grey, alegando que eu não gostava dos dois porque não gostava de romance. Em minha defesa, queria dizer que faço sons de vômito pra muita coisa, então ela não devia se sentir especial. E, bem, meu problema não é com o amorzinho, e sim com aquele relacionamento particular, que considero tóxico. Porque, na verdade, meus caros, adoro sofrer porque dois personagens estão apaixonados. E não tem nada de errado com isso.

Oi. Eu sou a Sam, pessoa que estreou essa mesma coluna com um post sobre meu amor e admiração por filmes de ação. E eu gosto de livros de romance também. Aham. Romance, chick-lit, viadagem, livro de menininha. Aqueles.

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Em pleno 2014 é fogo ter que comentar que não existe problema nenhum em se esbaldar em romances, não importa seu sexo ou idade. Mas é necessário, visto que ainda hoje o gênero e suas ramificações continuam sendo tratadas como porcaria, “coisa de mulher” ou, pior, “coisa de mulher mal comida”. Porque obviamente esses livros são diferentes de todos os outros, tem objetivos distintos e buscam separar os leitores em grupos de pessoas que sabem escolher e os que precisam dar um pouquinho. Faz perfeito sentido. Por que você leria um troço com cenas de sexo se estivesse satisfeita com sua vida sexual, amiga?

Ainda hoje o que é dedicado ao público feminino é tratado como algo ruim ou desmerecedor, mesmo que tenha uma legião gigante consumidores (que, veja bem, também pode incluir moços). E isso é estúpido ao extremo. O que diferencia livros de banca e uma ficção científica além de seus gêneros? O que torna Outlander pior do que Game of Thrones? Além da óbvia questão de gosto, que não é a pauta aqui, a verdade é que histórias que tem romance em destaque são consideradas piores por isso, o que traz um estranho desprezo de muita gente por aí.

Por que você lê livros, caro leitor? Eu leio porque gosto do entretenimento e do senso de escapismo que eles proporcionam. Você pode ter mais motivos, mas creio que no fim das contas tudo volta para esses dois aspectos: entretenimento e escape. Porque em livros você pode fazer, pensar e ser o que quiser. Você pode simpatizar com um personagem assassino e ter pavor de sangue na vida real. Você pode se apaixonar por uma pessoa que vai contra todos os seus princípios que você, sem dúvidas, tacaria cocô caso conhecesse na realidade. Você foge para um mundo de dragões, bruxas e outros seres fantásticos ou para uma cidade no interior dos Estados Unidos onde vive o bad boy mais gostoso da vida. Escape. Porque às vezes tudo o que você precisa é viver a história de outra pessoa, deixar de ser você, sair do mundo real e simplesmente ter outra coisa acontecendo além da existência desgraçada do seu chefe que não para de te encher o saco e que sinceramente devia começar a te pagar mais porque ninguém merece ser obrigado a aguentar aquela voz chata por um salário tão baixo e você conta os dias até a maravilhosa data em que você poderá vomitar na mesa dele sem nenhuma consequência…

Ahem. Escape.

Bunheads

Em seu propósito maior, eu diria, todos os livros são iguais. E não faz sentido se desfazer de um gênero simplesmente porque você não gosta ou porque não foi feito precisamente para você. E com romances é a mesma coisa. Se eu quero conhecer a história de uma mulher divorciada que não consegue disfarçar a atração que sente por seu vizinho, eu posso. Se eu quero ler 50 Tons ou livros de banca ou algum livro new adult cheio de putaria ou Crepúsculo ou qualquer outra publicação que possui duas pessoas se apaixonando e/ou se pegando, eu posso. E ninguém pode me julgar por isso, porque são livros como todos os outros. E quem decide isso sou eu, não importa minha sexualidade, sexo, idade, ou vida sexual.

E se romances são “coisas de mulher”, que seja. Mas nem todas nós gostamos, e nem somos obrigadas. Já passou da hora de acabar com esses estúpidos clichês onde moças agem de uma mesma forma pré-determinada porque isso não existe (somos humanas também, viu? E todo ser humano é diferente, vamos lembrar disso). Mulher pode curtir coisas fofas da mesma forma que ama violência, pode gritar de emoção com lutas de boxe e ter um quarto cor de rosa, pode ter um monte de comédias românticas na estante ao lado de longas do Stallone. Cada uma é diferente, e não seguir um padrão não quer dizer que elas querem ser especiais ou diferentonas: só quer dizer que elas são diferentes. É assim que as pessoas funcionam, sabe?

Então, é. Eu gosto de romances. Gosto de sofrer com tensão sexual entre personagens, sentir sua dor ou alegria, chorar com um simples “eu te amo” ou beijo trocado, ter um troço com uma cena de paixão bem escrita. E, acredite, eu faço isso. Às vezes fico tão apegada que taco o livro pelo quarto quando os sentimentos são muito fortes. Ainda assim, não gosto dessas coisas na vida real. Tenho nojinho de casais andando de mãos dadas na rua ou que se pegam em público ou que escrevem declarações de amor nauseantes diariamente no Facebook. Tenho pavor, da mesma forma que posso parir filhos com a gostosura e cara de pau de um bad boy num livro que estou lendo e sonhar em matar caras que agem dessa forma na vida real. Mas daí eu também não curto violência mesmo que já tenha descrito uma cena particularmente sangrenta de um filme como “a coisa mais linda que meus olhos já viram”. Então meu ponto continua: na ficção quase tudo é possível e isso é maravilhoso.

Eu tenho um coração e pontos fracos e trocaria muita coisa por uma tarde de chuva comendo chocolate e lendo algo da Rachel Gibson. E não tem nenhum problema nisso.

É engraçado, porém, que se você gosta de romances você é mulherzinha demais e se gosta de coisas direcionadas aos moços é machinha demais. Porque se encaixar em padrões é o mínimo que as mulheres tem que fazer, certo?

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Não somos obrigadas.

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4 Comments

  • Reply
    Who's thanny? » Arquivo Semana Coisa de Mulherzinha
    29/10/2014 at 5:39 pm

    […] 50 tons de rosa […]

  • Reply
    Sue Anne
    29/10/2014 at 6:04 pm

    sobre esse post: http://media.tumblr.com/tumblr_lpn62nFKuL1qlggb1.gif

  • Reply
    Just Reeden
    29/10/2014 at 6:11 pm

    Colega, você conseguiu duas coisas muito raras em mim, a primeira > ler um post de blog até o fim, a 2º comentar em um blog.
    Texto sensacional, concordo em gênero, número e grau como já dizia o ditado.
    Nem tenho muito o que falar, só que vou até compartilha-lo na minha página do acebook o Série Crossfire Brasil. Pq creio que não sou uma das únicas a sofrer este tipo de preconceito.

    /blink

  • Reply
    Bruno
    29/01/2016 at 3:39 pm

    Adoro romances e costumo ler todos os meses 2 a 3 livros de romances.

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